SER CATARINA 6

Quando o governo de Portugal, no século XVIII, percebeu a premente necessidade de ocupar o litoral catarinense que era a fronteira com as posses espanholas na América na lei vigente do UTI POSSIDETIS ITA POSSIDEATIS, princípio romano que garantia a posse da terra a quem estivesse ocupando-a, recorreu às populações da Ilha da Madeira e do Arquipélago dos Açores, no Atlântico. Essas ilhas já não suportavam o crescimento populacional com o estagnação econômica, eram na sua esmagadora maioria pescadores e artesãos que se sentiram atraídos pelas promessas tentadoras do governo: animais, ferramentas, terra, e até um pequeno vencimento mensal...vieram aos milhares a partir de 1748 e foram espalhados pelo litoral.

Pescadores que eram, lançaram-se à faina com sucesso, este litoral é o mais piscoso do Brasil até hoje, Itajaí é o porto de maior produção nacional. Rapidamente a tainha se destacou pela fartura e pela época: com a chegada do inverno e das águas frias, além da facilidade já que os cardumes se aproximam bastante das praias. Essa pesca artesanal acontece até hoje da mesma forma, é um espetáculo emocionante. 

Tudo começa com o olheiro, o vigia, sempre um pescador mais velho com muita experiência que tem um olhar inacreditavelmente aguçado postado num ponto elevado de onde detecta o cardume próximo à praia, ele dá o alarme e começa o saragaço, a correria das equipes rumo ao mar com as baleeiras a remo portando a rede de arrasto, remam com muito vigor e rapidez cercando o cardume até um ponto distante na mesma praia, assim é iniciado o arrasto que sempre conta com transeuntes voluntários. Muita alegria e fartura se misturam nestes momentos. É um verdadeiro evento social histórico que já recebeu o título de patrimônio cultural imaterial catarinense. Assim que os açorianos e madeirenses ocuparam o litoral catarinense, notou-se a frequente presença da baleia e o governo português não demorou a instalar as Armações, bases de captura e processamento do cetáceo rico em gordura. 
Tudo começou em 1742 e prosseguiu por mais de 200 anos !!!!!!!!!

O óleo era usado para iluminação de residências e ruas, a carne era salgada e muito apreciada e a borra utilizada como argamassa na construção civil. Muitas fortalezas e igrejas no litoral resistem bravamente até nossos dias com esse antigo preparado nos alicerces. Esta prática rendeu muita riqueza e concentração humana, era monopólio da coroa, mas fez circular muito dinheiro. Numerosos viajantes estrangeiros que aportaram em Nossa Senhora do Desterro registraram a atividade, vejamos von Langsdorf, em 1812: "...a pesca à baleia e a produção deste óleo merecem atenção especial...como monopólio o governo encampou tudo...a produção é grande e oferece trabalho e sustento a algumas centenas de almas em cada armação...na freguesia de Vila Nova, Garopaba, Ribeirão da Ilha, Piedade, entrada norte da Ilha, Rio do Gravato...". 

Ou John Mawe, em 1821: "...é um posto de pesca de baleias onde trabalham cerca de 150 negros...a média atingida variava de trezentas a quatrocentas por estação de pesca...". Desde 1973 está proibida tal prática, hoje existe um aparato eficiente de preservação e são feitas visitas guiadas e controladas a esses dóceis e curiosos animais.

Armação de Itapocorói, de Debret.

Por Wander Pugliese