É uma overdose de Trump que não tem fim. Parte porque as ações dele afetam o comércio mundial e parte porque sua atuação envolve a xenofobia. Ele não se importa com o que o mundo pensa a respeito, nem como é que os próprios americanos avaliam suas ações. Na sua cabeça ele é presidente para fazer o trabalho sujo, não para agradar, não para criar ou preservar políticas sociais, e não para estabelecer laços internos e externos. A missão dele é disparar mísseis administrativos contra quem não é americano e está pisando o sagrado solo do Tio Sam.
Nessa tola demonstração de poder, as altas taxas impostas aos produtos de outros países, que estão abalando o comércio mundial, não revelam tanto do seu caráter e da sua política quanto a perseguição sistemática aos estrangeiros. No começo, a culpa de todos os problemas dos Estados Unidos era a fronteira com o México, onde ele insistiu em construir um muro que se tornou o símbolo frustrado do seu primeiro mandato. É verdade que a fronteira com o México funcionava como uma porteira escancarada para milhares de latino-americanos, africanos e asiáticos invadirem os Estados Unidos com as mais diferentes intenções, a maioria certamente em busca de condições melhores de vida ou fugindo de conflitos. Mas para Trump não, eram todos criminosos que queriam infernizar a vida dos americanos. E se alguém algum dia ameaçou a América ou a sua democracia foi o próprio Trump, quando, ao deixar a presidência, provocou um dos episódios mais infames para a democracia americana, que foi incentivar seus apoiadores a invadirem o Congresso e impedir a diplomação de seu concorrente, vitorioso nas eleições, Joe Biden.
A fixação de Trump nos imigrantes parecia ser só contra os ilegais, mas agora sabemos que não. Embora filho de uma imigrante escocesa e neto de um imigrante alemão, o ódio aos que não são americanos está estampado em tudo o que faz. A contradição é que por quatro meses o imigrante sul-africano Elon Musk foi seu principal secretario, a quem Trump deu superpoderes. Esse ódio é uma patologia conhecida como xenofobismo, principal característica dos grupos supremacistas brancos. Musk deve ter sido aceito nos círculos de Trump porque é o homem mais rico do mundo e porque se alinha muito bem aos supremacistas, acusação que pesa sobre ele desde que se aliou a certos empresários na África do Sul. E depois de sua saudação nazista na posse de Trump, as dúvidas se dissiparam. Defensores de Musk alegam que ele estava “chapado” quando fez o Hitlergruß, pois seu vício em drogas é conhecido e já foi até matéria no New York Times. O problema é que sob efeito de drogas ilícitas e do álcool a pessoa tende a exteriorizar sua personalidade.
Voltando ao ódio aos estrangeiros, para Trump os Estados Unidos podem muito bem viver sem eles, por isso seus decretos, desde o início do seu governo, têm uma ênfase muito grande na extinção de agências humanitária ou de órgãos de ajuda no exterior. Trump diz que todos se beneficiavam do suor americano, dos impostos que o cidadão paga. Ele só não falou a respeito da contrapartida que os países davam aos Estados Unidos. Muitos desses países viraram paraíso para as empresas americanas, tendo o sistema econômico subjugado à vontade americana, e hoje dependente dela.
Mais ainda comprobatório desse desprezo por quem é estrangeiro foi a revisão de todos os vistos de quem estuda nos Estados Unidos, o cancelamento de matrículas na universidade de Havard e a suspensão de intercâmbios e vistos estudantis. Por anos estudantes do mundo todo afluíram aos Estados Unidos por sua excelência no ensino, especialmente o universitário, mas também atraídos pelo american way of life. Essa atração pelos Estados Unidos foi formada ao longo dos anos, especialmente pela invasão cultural americana no mundo inteiro, onde o cinema e a televisão quase sempre mostraram um país extraordinário, idílico, onde todos os sonhos se realizam.
A Universidade de Havard, principal alvo dos decretos de Trump, tem mais de 6 mil estudantes estrangeiros num universo de 23 mil alunos, e um grande número de professores de outros países. Muitos dos alunos que chegam do exterior acabam se tornando destaque no próprio Estados Unidos na ciência, na arte e no pensamento. Quem ganha com isso? Os Estados Unidos, claro. Mas não é só em Havard. Na maioria das universidades americanas o grupo docente tem sempre um número significativo de estrangeiros e entre os alunos, milhares. Os grandes feitos científicos e tecnológicos americanos estariam num patamar bem abaixo hoje se não fossem os talentos vindos de fora. Então essa xenofobia escapa ao entendimento de quem reconhece a importância da mão de obra estrangeira. É como se os imigrantes não tivessem construído a América.
Trump, tome um whisky, vá jogar golfe, e deixe a América em paz, please!
Por Eumar F. Silva